domingo, 26 de julho de 2009

A geração mascarada – com amor. Postagem temática.

Cena 1:
Uma mulher bem-sucedida profissionalmente, mas completamente confusa emocionalmente, senta-se frente ao espelho em um dos salões mais caros da cidade disposta a mudar o tom e o corte de cabelo pela oitava vez naqueles últimos seis meses. Ela cumprimenta o cabeleireiro, dá as instruções e então imerge em leitura de tal forma que poderíamos pensar que está lendo Wilde ou coisa do tipo. Ao buscarmos com os olhos o objeto de tão grande interesse, em suas mãos nos deparamos com uma revista, visivelmente gasta, talvez a mais folheada do salão:
- Como se vestir para um primeiro encontro (e o que cada roupa sua quer dizer)
- Transar ou não transar? (e quando e como)
- Ligar ou não ligar? (sua decisão sobre isso pode ser definitiva!)
- Que assuntos abordar irrevogavelmente e quais evitar obrigatoriamente nos primeiros encontros (com dicas de como responder aquelas perguntinhas chatas dele!)”.

Cena 2:
No intervalo entre um cliente e outro, Ricardo dá uma espiada no “Dr. Love”. Ele havia feito o cadastro no mês passado e, agora pagando uma pequena taxinha, está muito confiante de que sua vida relacional irá mudar! O post do dia tem por título: “Como sodomizar emocionalmente aquela gata e deixá-la louca por você”. Os olhos de Ricardo brilham ao ver que o sucesso sempre esteve tão próximo.. sumiços programados, celulares in off por algumas horas, atitudes previsivelmente “imprevistas”, impulso calculado.. e então, tudo acontece!

É fácil perceber de que modo a cena 1 e 2 se aproximam. A insegurança relacional contemporânea – tão maestralmente explicada por Bauman – faz com que o casal supracitado se apegue firmemente aos gurus sentimentais do momento e compre deles as máscaras que invariavelmente trarão sucesso a sua vida relacional. Eles já compraram outras máscaras em outros tempos (incluído gratuitamente) em livros de auto-ajuda. No armário, de uso freqüente, estão: “sempre feliz”, “sempre magro”, “sempre saudável”, “sempre bem-sucedido”, “sempre de bom humor”, “sempre desejável”, “sempre auto-confiante”.

No entanto, por um motivo ou outro, suas máscaras tendem a se tornar ineficazes com o tempo - e como este é um mercado relativamente novo, e não existe troca ou reembolso - resta-lhes somente procurar por outras novas, upgrades, mais adaptadas, mais eficientes.

Os antropólogos modernos lançam novos estudos: “Que tipos de relações têm a geração dos mascarados?”, “Será possível que homens e mulheres (con)formados a um código comportamental possam reproduzir agora relacionamentos em série?”, “Haverá, futuramente, máscaras que respondam de modo plenamente satisfatório aos livros de auto-ajuda, colunas emocionais e passíveis de todas as garantias possíveis?”

Os antropólogos saudosistas lançam estudos bibliográficos: “De que modo a geração mascarada sublimou a espontaneidade?”, “Será o fim do ‘feeling’ uma evolução adaptativa?”

Os antropólogos polêmicos perguntam: “Será tão grande o nosso moderno medo de ficar só que devemos nos (con)formar para que alguém se apaixone pelo que não somos?”


O Rafael, do http://www.contagens.blogspot.com/, lançou o desafio das "Postagens Temáticas" e esse é meu primeiro post dentro da combinação. Serão propostos temas escolhidos pelos próprios bloggeiros participantes a cada 10 dias. Quem se interessar pela idéia vai encontrar tudo mais claro e explicadinho no próprio blog do link e pode realizar lá a "inscrição".
Tema sugerido: eufemismo

9 comentários:

Vinicius disse...

Quando estava escrevendo o texto sobre máscaras, também lembrei do texto do Veríssimo e de tudo o que já haviamos discutido sobre o assunto.
É interessante se pensar nesse movimento antopologico.
Esse bicho Homem, tsc, tsc, tsc vou te contar..

Lendo a cena 2 lembrei de um filme chamado: A verdade sobre o amor. Vale a pena conferir, é com a Jennifer Love Hewitt. Vale a pena conferir.

Leo Cardoso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Leo Cardoso disse...

Na Cena 1 não pude deixar de lembrar da Lília Cabral gritando: "Repica, Repica" no filme Divã! “Será tão grande o nosso moderno medo de ficar só que devemos nos (con)formar para que alguém se apaixone pelo que não somos?”
Dormirei pensando nisso... Beijo Tay!

Mariana S. disse...

“Será tão grande o nosso moderno medo de ficar só que devemos nos (con)formar para que alguém se apaixone pelo que não somos?” (2)

Hm... Será?

Belo texto, principalmente pelas perguntas lançadas.

beijo!

Rafael Gloria disse...

Essa última pergunta que você levanta é ótima.
É certo que criamos um personagem a partir de nossas vivências também, algo quase que natural. Mas a que ponto o personagem assume o controle da nossa vida? E quando não podermos mais esconder nossa verdadeira personalidade...?

Gabriela Antunes. disse...

adorei teu texto. dá muito em que pensar =D
no dia que todas as máscaras caírem será possível ser feliz, plenamente.
Afinal, elas não são criadas somente para satisfazer nosso prórpio ego, mas para nos proteger também.

quando não for preciso se proteger, ninguém vai precisar se esconder.
;)

até a próxima e parabéns pela discussão que tu levantaste.
\o

camilacorado disse...

muitíssimo obrigada por dar uma passadinha lá e deixar um comentário! é sempre bem-vinda no todaquarta!
um grande abraço!

camila.
todaquarta.

Fernando Costa disse...

Um personagem é uma máscara.
Todo personagem pretende se desprender de seu criador, fixar-se. Talvez por isso tentemos ser amados pelo que não somos: a revanche dos personagens que criamos, sua forma própria de se fixarem no espelho que são os outros.
E grande Bauman..
Cenas emblemáticas dos tempos líquidos estas que tu descreveu; tempos em que o guru é o xamã, em que a consciência esclarecida cede à mistificação das personagens que não somos mas que nos magnetizam, enquadrando nosso ser à arriscada ordem que, sob meios sempre novos, o reprime.
Adorei o texto.

Elton D'Souza disse...

As coisas estão num ritmo tão acelerado que as pessoas não tem mais tempo pra serem autênticas ante a outras pessoas... Então elas acabam(os) apelando pra quem garanta sucesso com seres do sexo oposto.